O MILAGRE DA CERVEJA
Eu estava distraído lendo as manchetes de jornal numa banca na rua Frei Caneca quando de repente alguém cutuca meu ombro me pedindo com uma voz bastante familiar:
- Ei, você pode me pagar uma cerveja ?
Virei para trás curioso e constatei surpreso:
- Cara, você é o Raul Seixas né?
- Sim, bicho.
Sou eu mesmo e estou na merda...
Naqueles tempos de hiperinflação no Brasil não era vergonha nenhuma estar em má situação financeira, mesmo assim fiquei um tanto quanto encabulado em dizer pro artista famoso que eu também dispunha de muito pouco vil metal naquele momento:
- Cara, eu até consigo pagar uma cerveja, mas apenas uma mesmo...Estou tão fudido quanto você...
- Então que seja uma - ele decretou satisfeito.
Cerveja é igual banho, tem que tomar todos os dias - ele completou sorrindo.
Fomos para o bar no mesmo quarteirão e enquanto bebíamos começamos a conversar sobre amenidades.
Raul me disse que tinha lido no jornal que um cara havia morrido de jaca...
- Você já viu alguém morrer de jaca ? - me perguntou.
- Nunca vi, como assim ?
Indigestão? Alergia ? - eu quis saber.
- Que nada, bicho. Uma jaca caiu na cabeça do cara justamente na hora em que ele passava debaixo da árvore, disse Raul gargalhando gostosamente em seguida.
Comecei a rir também da desgraça do infeliz.
De repente Raul parou e me olhou sério.
- Porra, esse Brasil é uma charrete que perdeu o condutor, a coisa tá preta mas o negócio é manter o bom humor.
Concordei com ele enquanto enchíamos os copos mais uma vez.
Apesar do papo animado não pude deixar de notar que Raul estava um tanto quanto debilitado, mas a energia que ele emanava maquiava todo o resto.
Como que lendo meu pensamento ele disse:
- Não sinta pena de mim, eu tô fazendo o meu caminho e não peço que me sigam, as coisas acontecem exatamente como têm que acontecer.
Enchemos os copos outra vez...
Senti a garrafa mais pesada que antes, estranhei mas estava tão envolvido com a conversa que logo esqueci.
Ele me disse que quanto mais rodeado estava, mais se sentia só e emendou dizendo que por isso adorava conversar com estranhos.
Naquele momento me senti o estranho mais importante do mundo.
A vida fica sem graça demais sem uma cerveja e um amigo ao lado para conversar - filosofou.
Concordei novamente.
E assim ficamos certo tempo, conversando e bebendo.
Até que num dado momento ao encher nossos copos mais uma vez, reparei espantado no milagre da cerveja.
Àquela única garrafa não acabava nunca, continuava sempre cheia.
Eu e ele já haviamos bebido uns dez copos americanos cada um, ao ponto de ficarmos levemente embriagados.
Intrigado, perguntei:
- Raul, qual é a mágica dessa garrafa?
Quando ele abriu a boca para me responder:
TRIMMMMMMM !!!!
Era o meu velho despertador tocando.
Pulei da cama atrasado outra vez, só pra variar e saí correndo apressado rumo a Central do Brasil para mais um dia de trabalho, afinal de contas cerveja não cai do céu.
( Alanderson Hudson )
" Doar sangue não é apenas ajudar uma pessoa, é uma forma de ajudar a prolongar a vida de alguém..."
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